O Pastor Conciliador


Introdução
A necessidade de conciliação existe desde a época de Adão e Eva. A partir do momento que surge o primeiro conflito, demanda-se a primeira conciliação.
O ser humano, em suas relações interpessoais tende a complicar as coisas naturalmente. Isso se dá por vários fatores: diferença de escola de vida (criação), divergência de ideias e valores pessoais, diferenças culturais, de nível de conhecimento, etc.
O conflito existe onde existe gente, e normalmente está diretamente ligado a interesses pessoais das partes envolvidas que, em vias normais, não querem abrir mão daquilo que consideram como seu direito legítimo.
Conflitos sociais estão registrados na Bíblia desde que o pecado entrou no mundo, por intermédio de Adão e Eva, e sempre estiveram sob o olhar do Senhor, que em todo tempo deseja e provê os meios para a conciliação, bastando, para isso, que conheçamos o que diz a sua Palavra, e que estejamos dispostos a segui-la.
Pastores lidam o tempo todo com conflitos, e constantemente são convidados – e não poucas vezes convocados – a serem os conciliadores.
No livro “Pastoreamento Inteligente”, o Pr. Marcos de Souza Borges diz que
“de modo geral, o ministério da maioria dos pastores resume-se apenas em uma rotina desgastante de “apagar incêndios” e “pastorear as crises” de seus membros e discípulos. São os pastores “bombeiros”. Eles não estão pastoreando as pessoas, mas as crises delas. Os fundamentos não são confrontados. Isto, além de exaustivo, não constrói soluções sólidas que viabilizam o crescimento com maturidade. O esforço pastoral muitas vezes se resume em paliativos e o ciclo das crises nunca é quebrado. A Igreja vai ficando cada vez mais superficial e insípida”.
Por essas e outras razões, faz-se necessário que o Pastor seja um conciliador de pessoas, de vidas, ajudando suas ovelhas a entenderem os fundamentos de seus conflitos e como lidar com eles à luz da Palavra de Deus.
Mas como ser um Pastor conciliador? Como entender na prática a diferença entre administrar crises e conciliar pessoas?

1.  Evitando as crises

Certa vez, quando fazia um treinamento em mediação de conflitos em uma empresa onde trabalhei, o palestrante disse algo que me chamou a atenção. Ele disse que quando uma pessoa não se mostra, de nenhuma maneira, disposta a uma conciliação, normalmente é porque falta alguma informação. Existe algo que ela ainda não sabe, ou não se deu conta.

Quando analisamos muitos conflitos que administramos na igreja, percebemos que, de fato, os conceitos fundamentais da Palavra de Deus, que devem nortear a vida de todo crente, muitas vezes não são observados. E em muitos casos essa não observação se dá justamente pela falta de conhecimento prático da Palavra.

Como pastores, nossa responsabilidade mais básica é pregar e ensinar a Palavra de Deus.

2 Timóteo 4:2: “Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina”

Atos 6:3,4: Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra".

Pregar e ensinar a Palavra de Deus é a melhor forma de se prevenir crises.

Lembro-me de que, em minha ordenação, fui aconselhado pelo Pr. Wendel, orador da noite, a preparar com zelo e afinco os sermões, os estudos e palestras dirigidos à igreja, buscando alimentar cada crente de maneira adequada, por meio da Palavra de Deus.

O Pastor Conciliador é aquele que procura evitar as crises e os conflitos, através da busca constante pelo conhecimento da Palavra, e do compartilhamento desse conhecimento com sua igreja.

Uma igreja bem alimentada da Palavra verá uma redução significativa das crises entre seus membros.

Hoje, com as novas tendências e modismos, muitas igrejas estão abrindo mão do ensino consistente da Palavra de Deus, que via de regra confrontam diretamente algumas práticas que vem sendo adotadas. Líderes que baseiam suas pregações em versículos descontextualizados, com quase nenhum conteúdo, que vendem um evangelho barato e prático, no qual não há ênfase no ensino sólido da Palavra de Deus, estão criando crentes problemáticos e cheios de conflitos internos; conflitos que normalmente se externalizam por meio de crises consigo mesmos, com outros irmãos, com o Pastor, com a igreja, etc.

O conhecimento e a prática da Palavra de Deus são a melhor forma de se evitar as crises, e também de conciliá-las.


2.  Conciliando os corações e não as crises

Infelizmente o ensino da Palavra de Deus, apesar de diminuir consideravelmente as crises e conflitos, não os elimina totalmente. Sempre haverá conflitos que demandam conciliação. E nessas horas, quase sempre o Pastor é acionado para ser o conciliador.

Até aí, nada de anormal. O Pastor está para a igreja como um servo, e há que exercer o papel conciliador sempre que for necessário. Entretanto é preciso compreender esse papel (de Pastor Conciliador) não é de administrar os conflitos, mas sim os corações.

Para compreendermos essa diferença, primeiramente precisamos compreender o conceito bíblico neotestamentário de justiça.

O Dr. Tércio Machado Siqueira afirma em um estudo sobre a justiça na ótica bíblica que 

“O primeiro conceito de "justiça" vem do mundo secular. O interesse na "justiça", na Bíblia, tem sua origem nas exigências pela justiça social e política, bem como pelos direitos humanos. A Bíblia, como um todo, não nega a importância dessas demandas, porém reinterpreta os objetivos da "justiça", para dar-lhe um novo significado”

Em termos simples, nosso conceito de justiça baseia-se na cobrança do direito. Na prática, entendemos que, em um conflito, existe um direito em questão, que deve ser garantido à parte a quem ele legitimamente pertence. Por isso temos, como regra básica, que as pessoas precisam arcar com a responsabilidade de seus erros, e quando tais responsabilidades são imputadas ao réu, tem-se o sentimento de que houve justiça.

Entretanto, Jesus vem justamente refazer esse conceito de Justiça, instituindo que a justiça, segundo a ótica da graça, é a justificação do réu. Quando recebemos a Jesus como Salvador e Senhor, ele nos torna justos, por meio da sua graça, e a partir desse momento não temos mais nenhuma dívida. Não teremos que pagar pelos nossos delitos.

“Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça...”
(Mateus 6:33).

“Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’ ” (Romanos 1:17).

É baseado nesse conceito divino de Justiça que Jesus ensina a prática do amor e da compreensão acima da exigência do direito, como por exemplo, caminhar mais uma milha, oferecer a outra face, dar ao que pedir e não solicitar de volta, sofrer o dano, etc.

Nesse aspecto, Jesus afirma que “se a justiça de vocês não for muito superior à dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus" (Mateus 5:20).

Partindo dessa premissa, de que a Justiça de Deus não está interessada no direito, mas no indivíduo, podemos inferir que o Pastor Conciliador deve focar sempre nos corações e não nas crises.

É importante percebermos que Jesus nunca curou um relacionamento de forma miraculosa. Na verdade, não há registros de que ele tenha sido mediador de problemas, mas sim de corações. Por exemplo, quando a mãe de Tiago e João pediu que seus filhos se assentassem um à sua direita e outro à sua esquerda, isso criou uma desordem, um conflito com os outros 10 discípulos (Mateus 20.24). Em vez de interferir na disputa, Jesus pergunta a Tiago e João se eles seriam capazes de beber o cálice que ele estava para beber (Mateus 20.22,23) e depois admoestou os outros dez, ensinando que, para ser maior no reino de Deus, é preciso estar disposto a servir (Mateus 20.26,27).

Quando Jesus falou com Pedro, antes de ascender ao céu, profetizou que Pedro seria aprisionado e sofreria por causa do seu nome. Pedro sabia que João era muito íntimo de Jesus e por isso lhe perguntou: “e com João, o que vai acontecer?”. E Jesus responde: “Se eu quiser que ele permaneça, o que te importa? Quanto a ti, segue-me!” (João 21.22). Diante do conflito de Pedro em relação a João, Jesus não toma partido, mas desafia a intenção do coração, a inveja que Pedro demonstrava em relação ao João, em vez de olhar para o conflito relacional.

Jesus nunca tomava parte na disputa. Ele sabia que os problemas relacionais são problemas do coração. Então ele desafiava cada indivíduo em sua própria área problemática.

O Pastor conciliador jamais deve tomar partido em um conflito. Jamais deve dizer o que fazer. Nem apresentar uma solução. Jamais deve focar no problema.

O Pastor conciliador deve desafiar o coração de cada um envolvido no conflito, à luz dos ensinamentos da Palavra de Deus.

“Como alguém que pega pelas orelhas um cão qualquer, assim é quem se mete em discussão alheia. (Provérbios 26:17)


3.  Sendo um pacificador
“Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9)
O Pastor Conciliador precisa ser um pacificador. E ser um pacificador envolve dois aspectos: interno e externo.
No aspecto interno, um pacificador é alguém que busca viver em paz com Deus e com as pessoas. Um pacificador não pode ser alguém que vive em constantes crises emocionais, descontrolado, impulsivo, incapaz de domar seu temperamento, sem inteligência emocional.
É impossível conceber um conciliador que perde a cabeça a toda hora, que não consegue manter uma temperança adequada em meio às situações adversas.
Conta-se que uma vez um Pastor estava indo para uma série de conferências, com vistas a um convite. Ele havia se perdido no caminho, estava um pouco atrasado, preocupado com o horário, tentando se livrar rapidamente do trânsito e chegar logo à igreja de destino. De repente ele “leva uma fechada” no trânsito e quase bate seu carro. Já nervoso, imediatamente ele abre o vidro e descarrega toda sua ira naquele outro motorista com ofensas, gritos e palavras de baixo calão. O outro motorista simplesmente acena com um pedido de desculpas e segue o seu caminho. Passados alguns minutos o Pastor chega à igreja para a tão esperada ministração. O culto já havia começado. Ele entra rapidamente e se assenta. Como não era conhecido, o dirigente começa a dizer para a igreja: “nós estamos aguardando a chegada do Pastor, mas parece que ele ainda não chegou”. O Pastor então se levanta, e se apresenta. O dirigente do culto o chama à frente e convida o vice-moderador da igreja, para que faça uma oração e então passe a palavra ao pastor candidato. Quando o Pastor olha para o vice-moderador... quem ele vê? O homem que o havia fechado no trânsito.
Quem é o Pastor Conciliador no dia a dia? É um homem pacífico, moderado, equilibrado, que consegue manter a calma e a fé diante das adversidades.
Internamente ele é resolvido, firme, mas ao mesmo tempo controlado, temperado, manso, pacífico.
Mas ainda existe o aspecto externo. Neste âmbito, um pacificador é alguém que busca promover a paz.
Em Filipenses 4:2,3 Paulo age como um exemplar Pastor Conciliador e fala de duas mulheres, Evódia e Síntique. Nada se sabe a respeito dessas mulheres, nem sobre o que causou o seu desentendimento.
Paulo também não menciona os fatos, pois como um bom conciliador, ele está preocupado com o coração das pessoas e não com o conflito em si. O texto diz:
“O que eu rogo a Evódia e também a Síntique é que vivam em harmonia no Senhor. Sim, e peço a você, leal companheiro de jugo, que as ajude; pois lutaram ao meu lado na causa do evangelho, com Clemente e meus demais cooperadores. Os seus nomes estão no livro da vida”. (Filipenses 4:2,3)
Algo interessante que notamos ainda nesse texto é que Paulo, além de exortar pela paz, pede ajuda a um terceiro nessa conciliação. Uma pessoa a quem ele se dirige como “leal companheiro de jugo”.
Existem situações em que se é necessário pedir ajuda para conciliar um conflito e promover a paz. Ajuda familiar, ajuda profissional, etc.
O que precisamos ter em mente é que a conciliação na igreja do Senhor é imprescindível, e que o Pastor Conciliador é aquele que busca todos os meios de promover a unidade do corpo. A paz entre os irmãos é fundamental. A promoção da paz transcende a arbitragem, transcende as razões e o apontamento de culpados.

4.  Ministrando o perdão

A prática do perdão é o caminho que Jesus apresenta para que a alma seja curada e para que a conciliação aconteça.

Hebreus 12:14-15 adverte:

"Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, atentando, diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados".

Algo que temos notado nas igrejas é que muitas delas estão cheias de pessoas machucadas, feridas e com traumas profundos, e com isso, acabam fechando-se em si mesmas, e não mais conseguem viver um relacionamento de amor fraternal com os demais, pois os traumas que atormentam seu coração fazem com que o medo de novas feridas os afastem do restante do mundo.

Essas pessoas normalmente sentem-se desprezadas, acreditam que não são amadas, e normalmente não se dão conta de que são elas mesmas quem estão se fechando em uma barreira de proteção que levantam em torno de si, acreditando ilusoriamente que estão se protegendo de sofrimentos vindos de outras pessoas, quando na verdade estão se privando do relacionamento saudável e das bênçãos da comunhão uns com os outros.

O Pastor Conciliador é aquele que busca constantemente ministrar o perdão à sua igreja. Seja no púlpito, no gabinete ou na visitação.

E o primeiro passo para a ministração do perdão é dar o exemplo. O Pastor Conciliador precisa estar pronto a perdoar.

Perdoar as cobranças indevidas, perdoar palavras duras, perdoar aqueles que causam sofrimento à sua família, perdoar as críticas, o desinteresse, comodismo e até mesmo a crueldade de alguns.

Há que se considerar que é impossível ser um conciliador, quando se tem um coração que armazena mágoas e ressentimentos, quando não se está resolvido consigo mesmo e com os demais.

Somente aquele que sabe perdoar é capaz de ministrar o perdão.

O Pastor Conciliador perdoa, e ensina sua igreja a perdoar, à luz da Palavra de Deus.

Conclusão

Não é fácil ser um Pastor Conciliador. Por isso, cada vez faz-se mais necessário o aprofundamento na busca do conhecimento e das ferramentas para ser um conciliador.

Evitar as crises por meio do ensino consistente e eficaz da Palavra de Deus, conciliar os corações, trabalhar as pessoas e não o conflito, cer um pacificador, interna e externamente e
ministrar o perdão através do exemplo e do ensino são os primeiros passos para que sejamos pastores conciliadores.

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